Sem trololo
empreitada da ação comunicativa: para quem tem alguns minutos para discutir política
Mais uma contra o sensacionalismo juvenil – Não Faz Sentido
Categories: Geral

Por Matheus

Este texto tem como objetivo principal desmistificar certas concepções políticas fundadas no senso comum e altamente difundidas de maneira sensacionalista e falaciosa.  Não se trata aqui de cantar a vitória deste ou daquele governo que esteve no poder. Nem de elogiar qualquer trabalho excelente que tenha feito este ou aquele governante (afinal, qualquer governo que ousar a perfeição num país de dimensões brasílicas, soará como aberração política – pra não dizer o que já foi feito em nome da ordem aqui e alhures). A situação é mais simples do que parece: temos que escolher entre um e outro nesse segundo turno. Disto decorre: ambos não podem ser iguais, afinal, estão competindo um contra o outro.

Portanto, escrevo contra os apo[ca]lí[p]ticos que dizem: “é tudo farinha do mesmo saco!”

Circula um vídeo, chamado “Não Faz Sentido”, de um rapaz que grita e xinga contra a corrupção, contra a ignorância, contra a miséria, contra os “políticos”. Eu já tinha visto esse vídeo antes, mas nada fiz. Agora, como a situação é outra, resolvi escrever este breve texto sobre o vídeo. Assim, convém que o leitor assista o vídeo antes de ler: http://www.youtube.com/watch?v=dAQkMjebkeA

Recebi o vídeo por email, mas resolvi responder pra todos… Assim, como tenho um compromisso com a veracidade das coisas ditas, ou seja, se elas correspondem minimamente aos fatos, fui atrás de alguns indicadores importantes e confiáveis pra ver o que dizem sobre as informações passadas neste vídeo.

O que encontrei?

Antes, eu gostaria de deixar claro que as mudanças, pra mim, são visíveis; ao contrário do que o rapaz do vídeo começa dizendo: “cala a boca que não aconteceu porra nenhuma, tá a merma merda de sempre!”. Contra a oratória do do rapaz, cito Heráclito: “Nada é permanente, exceto a mudança”. Se temos valores, princípios, podemos analisar as mudanças para melhor ou para pior. Portanto, é preciso ser mais criterioso numa análise de conjuntura política, ao invés de partir de pressupostos infundados. A crença numa premissa infundada é o primeiro passo para a dominação. E se alguém quiser discutir se o pressuposto filosófico em questão é infundado ou não, que fique à vontade (teremos que rever a história da filosofia desde Heráclito, e eu nem tenho capacidade pra isso.. ahhaha).

Vamos por partes.

Por que as pessoas não se interessam por política? Talvez porque não haja uma educação que desperte esse interesse, concordo.

Eu, como tive uma educação privilegiada, desde os 14 ou 15 anos me interesso por “política”. Minha vontade de entender os problemas sociais, econômicos, filosóficos e políticos era tanto que cheguei a cursar Ciências Sociais na Unicamp, tendo me formado no meio desse ano. Mas isso aqui não é o meu currículo, apesar de eu ter decidido escrever um texto longo e sincero (essa parte foi para conquistar a confiança daqueles que enxergam a verdade num diploma de uma universidade com um nome tão bonito desses).

O rapaz continua falando do presidente do Brasil: “ele tá tentando encontrar uma maneira de fazer com que ele possa dominar e controlar a população brasileira, de uma forma com que acabe qualquer possibilidade do povo criar passeatas, manifestações, ou demonstrar qualquer forma de revolta contra a situação do país, que está na lama. Então ele tá pensando: o que que eu posso fazer pra controlar essa cambada e deixar todo mundo feliz? […] Educação! A chave tá na educação.”

Vamos aos dados.

Educação:

“Os salários dos professores da USP, Unicamp e Unesp vêm sendo sistematicamente achatados, mesmo com os recordes na arrecadação de impostos.  Numa inversão da situação vigente nas últimas décadas, eles se encontram hoje em patamares menores que a  remuneração dos docentes das Universidades federais.” (a redução dos salários ocorreu no período em que essas universidades públicas estaduais estiveram sob o governo do PSDB).

“São Paulo foi o único Estado que não apresentou, desde 2007, crescimento no exame do Ideb, índice que avalia o aprendizado desses dois níveis educacionais. Os salários da rede pública no Estado mais rico da federação são menores que os de Tocantins, Roraima, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Espírito Santo, Acre, entre outros.” (pra quem brinca, dizendo que o Acre nem existe, saiba que o governo do estado acreano valoriza mais a educação do que o estado mais rico do Brasil, neste período sob o comando PSDBista).

“Serra escolheu como Secretário da Educação Paulo Renato, ministro nos oito anos do governo FHC. Neste período, nenhuma Escola Técnica Federal foi construída e as existentes arruinaram-se. As universidades públicas federais foram sucateadas ao ponto em que faltou dinheiro até  mesmo para pagar as contas de luz, como foi o caso na UFRJ. A proibição de novas contratações gerou um déficit de 7.000 professores.” (isso, nos áureos anos em que o PSDB estava no governo federal com FHC – vejam que o projeto político PSDBista precariza a educação sempre, quando está no governo federal com FHC e quando está no governo do estado de São Paulo, com Serra, Alckmin e cia.).

Essas informações estão no “Manifesto Anti-Serra – Prof. Ricardo Musse – FFLCH/USP”, que recebemos por e-mail e postamos em nosso blog para ampla divulgação: http://semtrololo.noblogs.org/post/2010/10/14/manifesto-anti-serra-em-defesa-da-educacao-publica/

Ainda sobre educação, vale a pena conferir dados de fontes mais confiáveis, caso a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP levante alguma suspeita.

Que tal o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o famoso IBGE? Ok, vamos lá. No site do mesmo instituto, na Síntese de Indicadores Sociais de 2010, consta:

Entre jovens de 18 a 24 anos que estudavam, os que cursavam ensino superior passaram de 22,1% a 48,1% em 10 anos.

A população jovem de 18 a 24 anos de idade com 11 anos de estudo (ensino médio completo) representava 37,9% do total nessa faixa etária, em 2009. As desigualdades regionais também eram marcantes: no Sudeste, a proporção era de 44,0%; e no Nordeste, 31,8%. Ainda entre os jovens de 18 a 24 anos de idade, 15,1% tinham 11 anos ou mais de estudo, e, entre estes, 10,7% continuavam estudando.

A distribuição dos estudantes de 18 a 24 anos entre os níveis educacionais revela avanços: em 1999, 24,8% deles ainda estavam no ensino fundamental, contra 22,1% no ensino superior; em 2009, esses percentuais foram para 8,3% e 48,1%, respectivamente.”

Para que não haja mais suspeitas: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1717&id_pagina=1

Continua o rapaz, interpretando o presidente numa fala com o “João”, suposto filho do capeta… ops, digo, suposto ministro da educação: ” Ô, João! corta a verba da educação… corta, inteira! Constrói estádio de futebol com o dinheiro… traz a olimpíada e a copa pro Brasil pro povo ficar feliz. Ah, e dá cem reais pras famílias pobres… eles vão ficar feliz comendo migalha de pão.”

Convenhamos que não haveria problema algum em se trazer a copa ou as olimpíadas ao Brasil se o país não tivesse problemas mais urgentes a tratar?! Então, é preciso entender como esses problemas urgentes foram tratados nos últimos 16 anos, pelos diferentes governos que agora se opõem nesse segundo turno.

Educação, ainda:

Quantas universidades federais Lula (PT) criou em seus 8 anos de mandato: 14

Quantas universidades federais FHC (PSDB) criou em seus 8 anos de mandato: 0 (ZERO)

Fontes confiáveis: vejam, O Globo, o jornalismo que sempre foi contra o PT: http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2010/07/lula-cria-universidade-e-sanciona-estatuto-da-igualdade-racial.html

Esse panfleto também é bem interessante, uma comparação fantástica entre os dois governos: http://www.idelberavelar.com/Lula-vs-FHC-2.jpg

Será que não mudou nada mesmo, sabichão? Poxa! 14 é bem diferente de ZERO. (o mais impressionante é que o rapaz fala sobre o que não sabe, e ainda convence meio mundo… vejam, é importante ir atrás de dados confiáveis, afinal, não podemos cair na lábia de mais um falastrão; afinal, também, nós que criamos esse blog não ficamos os 5 anos de faculdade aprendendo a fazer vídeos sensacionalistas). Se fosse fácil falar de política com tanta propriedade… ah, se fosse fácil! rs

Fome:

Outro problema de suma importância, não? Alguém que está lendo esse texto e chegou até aqui (obrigado), se fosse presidente, poderia dormir tranquilo sabendo que está priorizando investimentos públicos em qualquer outra área enquanto existem milhões de cidadãos brasileiros passando fome? E sabendo que isso ocorre por um problema de distribuição, e não por um problema de produção. Ou seja, o país produz alimento suficiente pra acabar com a desnutrição no país, mas prioriza-se um outro tipo de distribuição desse alimento (exportação) que faz com que milhões de cidadãos passem fome. Lembremos do artigo terceiro da nossa Constituição Federal:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

É sempre bom consultar, né? Vai que eu tô mentindo: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

São os objetivos fundamentais. São os princípios que regem quase todo o resto das páginas e das leis, e deveriam também nortear as políticas de governo, para que estas fossem coerentes aos objetivos da nação. Portanto, para que uma política de governo não fira os direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão brasileiro, estes direitos devem ser levados em conta antes de tudo.

Vamos aos dados sobre a miséria no Brasil dos últimos anos:

http://fgv.br/cps/Pesquisas/miseria_queda_grafico_clicavel/FLASH/

Pesquisa da FGV mostra que entre 1994 e 2002 (governo FHC), a porcentagem de pessoas na linha da miséria manteve-se quase estável, de 28,79% para 26,72%

A partir de 2002 a coisa muda. Olhem a mudança aí outra vez, desmistificando a oratória falaciosa do rapaz que fez tanto sucesso com suas mentirinhas perigosas.

De 2002 a 2009, FGV registra uma queda na porcentagem da população que vive na miséria de 26,72% para 15,54%.

No blog de Jorge Furtado (sim, o diretor do famoso curta-metragem Ilha das Flores: http://www.youtube.com/watch?v=KAzhAXjUG28), esses valores percentuais se traduzem na cifra de milhões de pessoas, onde no governo FHC (PSDB) apenas 2 milhões de pessoas saíram da miséria, enquanto que no governo Lula (PT), o número sobe para 27 milhões.

Já ouvi de gente que paga R$2.500,00 de mensalidade em renomada faculdade paulista (privada, é claro), que tal projeto pra erradicar a miséria é assistencialista. Ora, é fácil dizer isso pra quem nunca passou fome. Eu nunca passei fome, graças a Deus. Mas sofro diante da fome de qualquer ser humano, e jamais daria um trabalho antes de dar comida a quem estivesse desnutrido. Afinal, primeiro vem o estômago, depois a moral – lembrou-me um célebre amigo mogiano, ao citar Brecht. Como trabalhar com fome? Pois é preciso que ao enfermo se dê, antes, assistência. Portanto, julgar tais programas de combate à miséria de assistencialistas não ajuda em nada, além de ser atitude de ingratidão para com aquele que sempre te deu de comer. É preciso ensinar a pescar, é claro. Mas para que se pesque bem, é preciso estar bem alimentado.

Isso me lembra um argumento nefasto de um inglês influente que ajudou a acabar com a Lei dos Pobres na Inglaterra do século XIX, que defendia que a fome deveria ser usada para instigar os homens ao trabalho. Por acaso voltamos ao mítico “estado de natureza”, onde o homem é um animal que deve lutar por sua sobrevivência? Parece que as políticas neoliberais de supressão do Estado apenas caminham para trás, como se houvesse uma escassez imediata de recursos para a satisfação das infinitas necessidades humanas (e esse é mesmo um axioma da economia neoclássica, escola de pensamento psdbista). O olho social regride ao enxergar quase apenas competitividade e busca desenfreada pelo sucesso. Opa!, isso me soa familiar num mesmo discurso sobre o mérito, da mesma pessoa, mas deixemos esse papo pra depois…).

Eu esqueci do vídeo. Voltei a ver. Ele xinga, xinga, xinga muito. Como ele está bravo!

Ah, aqui! Temos uma parte interessante: 5’40”, vejam vocês.

Ele fala que “os políticos” (se estudasse iria descobrir que todo mundo é político, diferente daqueles que, além de serem políticos, são representantes políticos eleitos pelo povo a partir de um sistema de governo chamado democracia representativa), enfim, ele quer dizer que esses representantes políticos querem “calar a boca dos comediantes”. Ora, se fosse pra proibir um garoto mimado, como esse, de falar tanta asneira, passar tantos dados falsos, eu acho que seria à favor de tal censura. Blah, acho que não. Deixa o moleque brincar. O problema é que muita gente se empolga com essa gritaria e acaba fazendo escolhas com base em mentiras. Enfim, o que vocês acham?

Voltando ao vídeo novamente, faço questão de transcrever essa fala: “esse vídeo não é de humor. Eu não sou humorista, eu não sou comediante. Na verdade, o único humor em toda essa história são vocês (aponta pra câmera). Vocês são uma piada. Uma vergonha alheia, chacota, …” .

O vídeo não pode ser de humor, porque é triste. É triste ver como uma pessoa com tanto senso comum pra gritar pode ser tão arrogante e fazer tanto sucesso com tanto sensacionalismo.

Essa é interessante: “Se você estudar um pouco, vai ver que foi manipulado que nem uma mula.”

Certamente, para aqueles que se comoveram com o vídeo, foram estudar, e depois viram o vídeo de novo, verão que foram manipulados POR uma mula.

“Estuda, porra! Se destaca dos seus amiguinhos preguiçosos!!!” , brada o revolucionário, instigando o individualismo e a competição. Show.

Aiai… ando perdendo tanto tempo por aqui.

O caos reina.

2 Comments to “Mais uma contra o sensacionalismo juvenil – Não Faz Sentido”

  1. o q é mais triste é q esse moleque irresponsável acaba sendo o espelho de um monte de jovem. isso é muito triste, é o esvaziamento completo da questão política.