Sem trololo
empreitada da ação comunicativa: para quem tem alguns minutos para discutir política
Das relações entre economia, política e religião.
Categories: Geral

Por Matheus – que hoje acordou enxergando coisas.

O leitor ou a leitora há de perdoar-me a falta de mais explicações. Não falo aqui mal das religiões em âmbito geral. Trata-se de discorrer, sem compromisso com a academia, sobre certas concepções religiosas que sustentam uma posição individualista de inércia diante das diversas desigualdades sociais – quando não as justificam.

Política econômica anti-distributiva é a política do recalque. Não enxerga o pobre enquanto semelhante para não compadecer de sua dor (já que muito se falou sobre o nojo que os tucanos têm dos pobres: http://saraiva13.blogspot.com/2010/07/jose-serra-tem-nojo-de-pobre.html). Porque a lei da selva não é política, e para o mercado não há leis. Na sociedade do indivíduo, amor (cupiditas) ao prazer do status e da riqueza normalmente compra o amor ao prazer da atitude de compaixão (caritas)*.

E se este pobre me for ingrato?, teme o indivíduo. Arroga-se a posição de “ser de mérito”, aquele que conseguiu a salvação, a quem se deve respeito e reconhecimento, pois detém a verdade, ao passo que detém o poder. E aqui começam a aparecer algumas afinidades eletivas entre o que já foi chamado de “espírito do capitalismo” e certas crenças para as quais a salvação da alma se objetifica no mundo material (vale dizer que para tais crenças, que nada têm a ver com o movimento da Teologia Salvacionista, existem condições muito específicas às quais deve se enquadrar o indivíduo para que este seja salvo e possa entrar para o reino dos céus; do contrário, compõe a massa de infiéis condenados ao fogo do inferno – nesse caso, só o fogo purifica).

E se na minha pura e valorosa compaixão não me forem gratos os pobres? Que blasfêmia! Por que esse povo é tão apático mesmo quando tentamos ajudá-los em nossa mais pura compaixão? Regozija-se de sua benevolência o salvo cristão. Quanto do seu amor a Deus não o coloca em posição de suprema divindade?

O problema está em cada indivíduo que ainda não aceitou Cristo em seu coração. É o problema da sociedade, conclui.

Aquele que espera recompensa não pode estar sendo compassivo. Eis que, assim, mesmo para os mais religiosos, quando o “amar a Deus”[privado] aniquila o “amar ao próximo” [público], o pobre lhe parece tão “não salvo” quanto seria justificável deixá-lo buscar a salvação por si próprio. Falta-lhes amar a Deus sobre todas as coisas, pobres de espírito…

O nojo ao pobre assemelha-se muito ao preconceito, um tanto religioso, que divide os seres humanos em “bons” e “maus”, e  quanto mais religioso em “filhos de Deus” e os “outros”, para não dizer “salvos” e “não-salvos”. Talvez o nojo comece bem por aí, nessa segregação, fundada  numa concepção de pureza que condena aqueles que ainda não deram o salto da fé – por si próprios – para a salvação e não se purificaram, que são os mesmos que não conseguiram vencer na vida por falta de boa vontade. A pureza do espírito se materializa em sucesso e riqueza, e seu contrário em fracasso e pobreza. Não somos preconceituosos, apenas sabemos o que é certo, dizem.

Deixemo-los aí, no mercado de trabalho há vagas. Só depende deles. Se tiverem boa vontade conseguirão sua passagem de volta ao paraíso. Mas que se purifiquem antes, esses pobres!

Ao mesmo tempo que a Bíblia é sábia – « Se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão ao qual vê, como pode amar a Deus, que não vê? » (1 Jo 4, 20) –  sua interpretação é humana.

*O filósofo e santo Agostinho de Hipona, em suas Confissões, estabelece uma distinção entre duas formas de amor. Seguindo a tradição platônica, concebe o amor como falta – não se pode desejar um bem que se possui. Assim, ao desejo pelas coisas mundanas, temporais, o filósofo dá o nome de cobiça (cupiditas), e ao amor à vida, que aspira à eternidade e ao transcendente, dá o nome de caridade (caritas). Ambos se diferenciam especificamente pelo objeto a que visam: enquanto que por amor a vida vive-se um tempo qualitativo e infinito, por amor às coisas vive-se um tempo quantitativo e finito.

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