Sem trololo
empreitada da ação comunicativa: para quem tem alguns minutos para discutir política
As idéias fora do tempo
Categories: Geral

Por Lucas

Alguns partidos de esquerda não declararam apoio a nenhum dos candidatos no segundo turno: o voto nulo seria como um protesto, uma expressão eleitoral da idéia de que nenhum dos dois partidos em disputa tem um projeto político “de esquerda”. O argumento gira em torno do fato do PT ter entrado no jogo político e se rendido ao capital em detrimento de um projeto de transformação social profunda. Desse ponto de vista, PT e PSDB não apresentam posições distintas. Esse pensamento é muito corrente em alas mais à esquerda no espectro político. Exemplo recente disso é a entrevista do sociólogo Chico de Oliveira para a Folha.

Não posso deixar de concordar com o Chico em vários aspectos: “o campo de conflito entre eles (os candidatos) é realmente pequeno”; a Marina, que pretende representar uma “terceira força sustentável” não é nada disso, e por aí vai. Mas não podemos deixar de refletir sobre em que esse tipo de postura implica. Voto nulo (embora o sociólogo não tenha declarado explicitamente seu voto na entrevista) no segundo turno não é protesto, é isenção. É tirar o corpo fora do debate que, queira o eleitor ou não, existe. E, embora eu esteja dialogando aqui com uma certa esquerda radical, essa percepção da convergência dos projetos políticos dos dois partidos em questão não é exclusiva a esse setor – há muitos que, independente da orientação política e indignados com a situação do país, preferem votar nulo por n motivos: a falta de “ética” na política, a corrupção que existe tanto em um quanto outro partido…

Esse discurso simplifica o debate, pois não leva em consideração as diferenças que existem sim entre um e outro, questão que nem cabe aprofundar aqui, mas que tem sido o que mais temos frisado aqui neste blog. Esse niilismo em relação à política representativa – ou seja lá o que for que as pessoas não acreditam mais – é pernicioso em tempos de eleição. Se Chico de Oliveira usa a frase “é escolher entre o ruim e o pior” em um tom negativo, proponho que esse tom seja mudado. O fato de ter que escolher entre um ruim e um pior é corolário do fato de que existe um ruim, mas existe um pior. Pra bom entendedor meia palavra basta:

“Os governos tucanos têm horror ao povo. Isso não é força de expressão. É uma questão de classe social. Eles não têm contato com o real cotidiano popular. Eles não andam de ônibus, não têm experiência do cotidiano da cidade. Nem de metrô eles andam, o que é incrível. (…) Essa é a diferença marcante em relação a Lula.”

Não é tempo de se fazer uma crítica estrutural, e sim de se debruçar sobre as nuances – escolher o menos pior sim, porque alguém vai ganhar a eleição. Isso pode não significar a consolidação de um projeto político, de mundo, de vida ou sei lá o quê que a esquerda propõe, mas não é isso que está em jogo. E esse tom pejorativo que a expressão “jogar o jogo” leva nos setores mais radical da esquerda é justamente o que faz com que essa esquerda se torne, de certa forma, uma esquerda paradoxalmente conservadora. Coisa de criança birrenta: eu quero a revolução, se não tiver eu não quero brincar. Esse tipo de idéia, expressa pelo voto nulo, está presa (e nunca é demais repetir) a uma concepção engessada do que é ser “de esquerda”, que parou mais ou menos na década de 70. Roberto Schwarz falava em 1972 de “idéias fora do lugar”; hoje as idéias estão mais fora do tempo do que do lugar. É sempre bom lembrar que ser “de esquerda”, assim como qualquer posicionamento político, não é uma questão essencial, mas sempre relacional.

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